sábado, 29 de janeiro de 2011

Vale a pena ler...

A doença de ser normal
MARTHA MEDEIROS - Jornal Zero Hora - Porto Alegre - 05/08/07

Lendo uma entrevista do professor Hermógenes, 86 anos, considerado o fundador da ioga no Brasil, ouvi uma palavra inventada por ele que me pareceu muito procedente: ele disse que o ser humano está sofrendo de normose: a doença de ser normal. Todo mundo quer se encaixar num padrão. Só que o padrão propagado não é exatamente fácil de alcançar. O sujeito "normal" é magro, alegre, belo, sociável, e "bem-sucedido"... Quem não se "normaliza" acaba adoecendo. A angústia de não ser o que os outros esperam de nós gera bulimias, depressões, síndromes do pânico e outras manifestações de não enquadramento.

A pergunta a ser feita é: quem espera o que de nós? Quem são esses ditadores de comportamento a quem estamos outorgando tanto poder sobre nossas vidas? Eles não existem. Nenhum João, Zé ou Ana bate à sua porta exigindo que você seja assim ou assado. Quem nos exige é uma coletividade abstrata que ganha "presença" através de modelos de comportamento amplamente divulgados. Só que não existe lei que obrigue você a ser do mesmo jeito que todos, seja lá quem for todos. Melhor se preocupar em ser você mesmo.

A normose não é brincadeira. Ela estimula a inveja, a auto-depreciação e a ânsia de querer o que não se precisa. Você precisa de quantos pares de sapato? Comparecer em quantas festas por mês? Pesar quantos quilos até o verão chegar?

Não é necessário fazer curso de nada para aprender a se desapegar de exigências fictícias. Um pouco de auto-estima basta. Pense nas pessoas que você mais admira: não são as que seguem todas as regras bovinamente, e sim aquelas que desenvolveram personalidade própria e arcaram com os riscos de viver uma vida a seu modo. Criaram o seu "normal" e jogaram fora a fórmula, não patentearam, não passaram adiante. O normal de cada um tem que ser original. Não adianta querer tomar para si as ilusões e desejos dos outros. É fraude. E uma vida fraudulenta faz sofrer demais...

Eu não sou filiada, seguidora, fiel, ou discípula de nenhuma religião ou crença, mas simpatizo cada vez mais com quem nos ajuda a remover obstáculos mentais e emocionais, e a viver de forma mais íntegra, simples e sincera. Por isso divulgo o alerta: a normose está doutrinando erradamente muitos homens e mulheres que poderiam, se quisessem, ser bem mais autênticos e felizes.


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Vaidade em excesso faz mal à saúde
Daniela Neves - Gazeta do Povo - 29/06/2008


As semanas de moda mais famosas do Brasil, no Rio de Janeiro e em São Paulo , reafirmam a beleza das modelos brasileiras. Para nós, “reles mortais”, fica difícil olhar para Gisele Bündchen e companhia e não desejar ter um corpo daqueles, o cabelo sensacional, pele maravilhosa, enfim um conjunto que atrai olhares e no qual as roupas caem como luvas.


Esse modelo de beleza transmitido pelas beldades por intermédio dos meios de comunicação é criticado pela psicóloga Rachel Moreno no livro "A Beleza Impossível - Mulher, Mídia e Consumo", recém-lançado pela editora Ágora. Ela afirma que a sociedade atual atingiu o ápice destaobsessão, estendendo-a para todas as classes e gêneros.

A autora observa que as mulheres que não se encaixam no padrão vigente – ou seja, a maioria – sentem-se excluídas e até humilhadas e tendem a fazer qualquer sacrifício em nome da beleza. Somente em 2003, as brasileiras gastaram R$ 17 bilhões na compra de produtos cosméticos e de perfumaria. O Brasil apresenta o maior índice de mulheres que declaram ter feito cirurgia plástica. Outros estudos revelam que a população feminina no país, comparativamente, é a que mais se submete a sacrifícios pela aparência. Isto inclui dietas, malhação, remédios e cosméticos. Tudo o que for possível para tentar atingir a beleza sonhada.

Quais são as conseqüências dessa obsessão para as adolescentes de hoje? E como ficam as “diferentes” – gordinhas, baixinhas, mais velhas, negras? Rachel adverte que o excesso de vaidade pode se tornar um problema de saúde pública. Ansiedade e baixa auto-estima são os primeiros efeitos colaterais. Essa perseguição inacabável também desencadeia doenças como bulimia e anorexia.

Entrevista com Rachel Moreno:


=> A obsessão pela beleza é recente? De onde e de quando vem essa vaidade além da conta?
=> Tornar-se atraente faz parte do repertório de jogos de qualquer espécie animal – e não fugimos à regra. Creio que, desde a folha de parreira de Eva, passando pelas folhas de limoeiro esfregadas pelas índias nos pulsos para exaurir o seu aroma, tudo isso serve para se tornar mais atraente aos olhos do outro. Mas essa vontade de atrair a quem nos interessa é muito diferente da imposição de modelos que nos foram colocados ao longo da história, às custas de artifícios e produtos. E esta imposição atinge o seu auge agora, na sociedade que estende este padrão de beleza a todas as classes sociais, ampliando o seu alcance ao interior das mulheres, pois a beleza passa a refletir o estado da alma. Além disso, estimula-se o consumo de um mundo de parafernálias, produtos, cirurgias, que prometem colocar este ideal de beleza ao alcance de qualquer uma, até mesmo em suaves prestações mensais. E, se você se vê cercada de modelos de beleza por todos os lados, em outdoors, revistas, jornais, programas de televisão, propaganda, você se compara inconscientemente com aqueles "modelos-padrões-comerciais", passa a querer se parecer com eles e sofrer se não o conseguir. Pesquisas apontam que as brasileiras estão entre as mulheres com mais baixa auto-estima e ao mesmo tempo estão entre as que mais se submetem a cirurgias estéticas. Se eu gosto de mim, não preciso ficar "melhor" [desta maneira obsessiva e exacerbada], pois já estou bem... E, afinal, o que é “melhorar” [neste contexto]? É ficar mais próxima de um padrão externo a mim, imposto de forma sutilmente autoritária, como único que vale a pena.


=> No caso das brasileiras, qual é o ideal de beleza? As próprias modelos brasileiras como Gisele Bündchen?
=> O modelo das brasileiras tende a ser eurocêntrico. O ideal de beleza é jovem, magra, branca, loira e de peitos fartos. Gisele Bündchen se enquadra perfeitamente.

=> O que cria esse modelo ideal? Mídia, indústria da moda, de cosméticos?
=> Tudo isso ao mesmo tempo. Acrescente-se ainda a cirurgia plástica, silicone, lipoaspiração, operação plástica, tratamento de celulite, spas, personal trainers, academias, dietas milagrosas, a indústria dos alimentos dietéticos... Sustentamos uma indústria milionária que nos engana, explora e faz sofrer. Porque são poucas, pouquíssimas as que podem se parecer com Gisele Bündchen. E a nossa riqueza consiste justamente na diversidade, pluralidade de tipos, feições, combinações e jeitos de ser. Mesmo sabendo que as tops não são mulheres “reais” por que todas caem nessa idéia de querer chegar perto desse modelo de beleza? Porque por trás disso, há uma indústria enorme e diversificada que trabalha com todas as armas do marketing e do acesso à mídia, que amplifica e nos vende os seus desejos e vontades, de forma poderosa e ao mesmo tempo que sutil. Que pode pagar por isso, mesmo porque isto lhe garante um retorno financeiro invejável. A indústria de cosméticos está entre as que mais cresceram nos últimos tempos.


=> E os homens? Eles não procuram mulheres com corpos perfeitos?
=> Se e quando isto ocorre, – numa fase meio infantil pela qual todos os seres humanos passam e que por vezes se prolonga –, é porque eles acabam tão atacados pelos modelos que a mídia lhes vende quanto nós. E tende a ocorrer na fase em que eles precisam provar a sua masculinidade, exibindo uma mulher bonita como conquista. Mas quando amadurecem, são tão capazes quanto nós de se encantar com o mero brilho de um olhar, com o detalhe de uma expressão, com a inteligência, carinho, personalidade de mulheres que são únicas e não barbiesproduzidas em série.


=> Afinal, a mulher quer ficar bonita para quem?
=> É natural que queira atrair a atenção do sexo oposto, mas há várias formas de fazê-lo. As mulheres tendem a dizer que querem ficar bonitas para si, quando não para as outras. Agora, se levarmos a sério o “ficar bonita para si mesma”, quando é mesmo que a gente se sente melhor e mais segura? Quando conquista um objetivo almejado, quando faz algo bem feito, quando está de bem consigo mesma e com a vida. Aí, sim, a beleza jorra de dentro de nós, através dos rostos e corpos dos mais diversos tipos, formatos e harmonias. Numa beleza absolutamente personalizada, numa silhueta que pode ser mais magra ou mais gorda, mais jovem ou mais madura, de qualquer raça ou etnia, e que traduz alguém que só você pode ser.


=> Você afirma que essa vaidade traz problemas de saúde. De que forma?
=> Temos tido casos de bulimia, de anorexia. Algumas modelos morreram disso. Algumas mulheres morreram fazendo lipoaspiração. Há mulheres que praticamente não comem e que precisam de tratamento médico para se reequilibrar. Obesidade é outro problema que decorre do estilo de vida sedentário que levamos. Baixa auto-estima é um sofrimento psicológico incompatível com um bom equilíbrio. Se nosso governo decidir contabilizar as despesas resultantes na rede de saúde pública, poderemos ter um indicador do quanto isso custa aos cofres públicos.


=> E como se livrar dessa obsessão?
=> Se aceitando como você é, tirando partido e valorizando o que mais a diferencia, inventando o seu próprio modelo de beleza e, sobretudo, de bem-estar. Há muitas coisas que nos realizam na vida e que são muito mais importantes do que um nariz arrebitado ou uma roupa de grife. O que fazemos bem, nossa ação na família, no mundo, na transformação da realidade para torná-la mais harmoniosa e inclusiva. Lembrar que valemos muito mais pelas coisas que fazemos, pela nossa ação cidadã, do que pela mera aparência, ou pelas grifes que poderíamos ostentare que nos roubam a personalidade, substituindo-a por uma etiqueta.

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