A música é parte de nós e enobrece ou degrada o nosso comportamento. (Boécio)
Boécio pode ser considerado sem duvida o maior filósofo e uma das mais importantes personalidades e mais respeitada na Idade Média no que se trata de música. Sua obra “De Institutione Musica”, escrito no início do século VI, quando este ainda era jovem, é uma das obras mais importantes acerca da música e até hoje é estudada, devido ao seu conteúdo riquíssimo acerca do assunto. Entretanto, infelizmente, não existe uma versão em português da obra, apenas em alguns idiomas, incluindo o inglês. O fato é que, com um livro dessa importância, é de se lamentar que não possamos desfrutá-lo, apenas podendo citá-lo por artigos e fontes que falem sobre ele.
O livro De Institutione Musica, ao contrário do que muitos dizem não é uma obra completamente de seu autor, mas a maioria dele nada mais é do que uma compilação de algumas fontes gregas de que o autor dispunha principalmente um longo tratado de Nicómaco e o primeiro livro da Harmonia de Ptolomeu.
Essa obra foi tão bem aceita na Idade Média que, mesmo os leitores medievais não perceberam o quanto a mesma se contradizia, pois enquanto nos três primeiros livros da obra eram defendidos completamente os argumentos pitagóricos acerca da música, o quarto continha argumentos de Euclides e Aristóxeno e o quinto era baseado em Ptolomeu, este que defendia idéias completamente antipitagóricas. Mesmo com argumentos tão contraditórios, alguns estudiosos comentam como sendo uma jogada de Boécio, para mostrar como mesmo contraditórias elas conseguem unir-se e tornar-se uma coisa só, a mensagem que quase todos os leitores compreendiam era de que a música era uma ciência do número e que os quocientes numéricos determinavam os intervalos admitidos na melodia, as consonâncias, a composição das escalas e a afinação dos instrumentos e das vozes.
Mas afinal, o que Boécio entendia por música?
“O músico é aquele que refletiu por mesmo sobre a ciência da canção, não pela servidão do trabalho, mas pelo ato de contemplação.” (De Institutione Musica – Boécio, século VI d.C)
Boécio entendia a música como sendo a disciplina que se ocupa a examinar minuciosamente a diversidade dos sons agudos e graves por meio da razão e dos sentidos. Para ele, existem três tipos de pessoas ligadas a ela, que são as que executam os instrumentos, as que compõem as canções e as que julgam os trabalhos instrumentais e as canções.
As pessoas que se ocupam dos instrumentos e que passam seu tempo os executando são, a seu ver, pessoas separadas da intelecção da ciência musical, pois essas não fazem uso da razão, apenas da prática e nela estão presas.
As do tipo que compõe as canções são os poetas, mas as compõe apenas por um instinto natural e não pela razão, sendo também escravas da prática, tal como as que se ocupam dos instrumentos.
Já as pessoas que se ocupam de julgar os instrumentos e as canções, essas sim fazem o uso da razão para tal atividade, avaliando ritmos, melodias e canções como um todo, e a totalidade sempre é fundada na razão. Apenas a este tipo de pessoas, Boécio atribui como sendo músicos, pois estas não prendem-se a apenas a algo, mas julgam num todo, através da razão, pois possuem a faculdade de julgar, refletindo de uma forma apropriada à música, aos modos e ritmos, às classes de melodias e suas combinações e também as canções dos poetas. Nesse grupo encaixam-se os filósofos, pois estes são críticos e também apresentam a faculdade de formular conceitos acerca das coisas, assim como da música.
A respeito do tipo de música existente, Boécio também define três tipos, sendo elas: música mundana, música humana e música instrumental.
A música mundana é uma música macro cósmica e por isso uma música que não podemos escutar, ela que se refere à harmonia em seus fundamentos, é a que rege o movimento dos astros, a mistura dos elementos e a sucessão das estações.
Já a música humana é o acordo entre a razão e a sensibilidade, o que faz o equilíbrio entre o corpo e a alma, pois enquanto concretização da música mundana reflete no homem a harmonia maior. É uma música micro cósmica e, assim como a mundana, rege a harmonia, entretanto na música humana, esta harmonia se revela através da consciência reflexiva, da introspecção intelectual, porque é “a condição essencial do acordo ontológico entre o sujeito conhecedor e o objeto conhecido” (Edgar De Bruyne).
Tanto na música mundana, quanto na humana o som se identifica com o conceito de harmonia e o ouvir acaba por se tornar desnecessário. Já na música instrumental, o som é completamente necessário, mas o som que esta produz nada mais é do que a continuação das outras duas, entretanto esta, mesmo que comece da mesma maneira, tem um sentido mais relevante.
Ellen Dayane Koteski. Disciplina: Filosofia
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