quarta-feira, 27 de julho de 2011

Novos autores

MEUS DEMÔNIOS
Angelita Cristiane Candido

Uma vez um certo amigo me disse que cultivamos demônios dentro de nós, e estes demônios se alimentam de detalhes. Quanto mais detalhes escolhemos, esmiuçamos, burilamos, mais engrandecidos os demônios se tornam. Dentro de mim, bem cuidados se encontram alguns, outros são mais autônomos e desobedientes. Vou apresentá-los para vocês. Não se assustem porque eles vivem tão bem comigo que não vão me abandonar tão simplesmente através de um texto ou de qualquer teoria psicanalítica que tente fortalecer meu ego diante deles. Vou apresentá-los:
Há alguns demônios em mim que são até raquíticos, desnutridos, coitados! Mas há outros que se engrandecem com pouco. Embora humildes, são grandiosos. Há também os meus demônios enfezados, aqueles que prejudicam meu intestino e não deixam expelir o que não presta de mim. Eu tenho um demônio muito especial, criadinho já, que é o da rejeição. Este me acompanha desde criança; quando eu ainda menina escutava do lado de fora do quarto de meus irmãos, as suas risadas às portas trancadas e me imaginava lá, com eles, participando dos episódios daquela ludicidade infantil. Mas não, eu era menina e muito mais nova, o que representava dois agravantes: a questão do gênero e a etária. Portanto, muito cedo precisei entender que o meu próprio quarto é que manteria as portas abertas. Eu descobri que para lidar com o meu demoniozinho da rejeição os fantoches e os livros seriam mais aceitáveis para distraí-lo. Encontrei-me no meu quarto, com o teatro e com a literatura e pude ensinar o meu demônio da rejeição a interpretar outros papéis e viver através de outros personagens. Mas a vida foi mudando de cenário e meu quarto já não era o suficiente, o demônio da rejeição queria sair, conhecer outras pessoas para se alimentar, pessoas que não fossem de papel. Ele estava enjoado de tanto comer páginas, e lá fui eu conhecendo gente e me atendo aos detalhes para alimentar meu demoniozinho de estimação. Ele foi muito bem tratado e engordou. Tento discipliná-lo a um regime estético rigoroso para os outros não perceberem o quanto ele está obeso dentro de mim. Afinal de contas o meu demônio da rejeição é feio, auto-piedoso, humilhante e gordo. Acho que eu até disfarço bem. De vez em quando ele se manifesta pedindo pra fugir do regime, dizendo que a dieta só o faz sentir ainda mais desejo pelos detalhes. Para nutri-lo, vou reunindo detalhes saudáveis para alimentá-lo aos poucos, em doses reduzidas, em pequenas porções equilibradas pela conduta e polidez. Mas ele exige detalhes mais calóricos. É assim que ele metaboliza, invertendo, confundindo o tratamento e me confundindo também.
Outro demônio que faz parte de mim é o da raiva. Como eu sei sentir raiva! Meu pai me ensinou muito bem a expressá-la. Meu pai tinha um monstruoso demônio da cólera que se disfarçava de indignação e acho que o filhotinho dele, está comigo. Ainda não o reconheço bem, pois ora se assemelha à raiva, ora à indignação. O demônio do meu pai era abusivo, intolerante, era exibicionista e nada político. Não tinha o menor critério, nem constrangimento em se expor. O demônio da cólera de meu pai era tão vigilante que um simples andar dentro de casa poderia despertá-lo. O meu demônio da raiva se distingue um pouco. Sinto raiva da ignorância pela falta de vontade em querer saber das coisas, pela preguiça e acomodação, pela resignação que se diz cristã. Isso pode até parecer virtuoso, se não fosse pelo fato de eu não conseguir controlar o outro demoniozinho, o da ironia, que é outro monstrinho que escapole de mim e sai de mãos dadas com o da raiva, passeando abertamente pelas jaulas morais. Imagine o quanto inadvertidamente as pessoas alimentam esses dois demônios companheiros: o da raiva e o da ironia. Mas eles são simulados. Agem como se aceitassem as jaulas, mas esperam que as pessoas “caridosamente” os nutram de forma indevida, para que se transformem em macacos a zombar dos homens. Cuidados com eles, devem agora estar soltos por ai, fingindo ser comportados.
Outro que tenho é adotivo, mais franzininho, quase não tem força pra sair e morre de medo de se manifestar. É o da vingança. Eu o engano constantemente através de boas lições sobre compreensão, compaixão e virtuosidade. Ele ainda acredita em tudo que eu lhe falo. Eu o doutrino direitinho. Talvez um dia ele se rebele!
Eu combato mesmo é o da frivolidade. Tento deixá-lo magérrimo para confundi-lo com a futilidade, que é outro demônio que eu tento matar de fome. Mas eles se destacam pela plena convicção em derrubar as minhas convicções. Eles são sinuosos, flexíveis, maleáveis até. Disfarçam-se e metamorfoseiam-se para a derrocada de meus princípios. Eles gostam de se transformar em vaidade, para enganar meus olhos e receber meus francos elogios pela sua versatilidade.
Os da humildade e do pudor são os que mais me atormentam. Por arrogância, se dizem valorosos, modestos, inofensivos e com isso, geram as contradições que me assolam. Impõem limites para mim, criam rituais contemporâneos que não correspondem com a minha vontade, com o meu tempo, com a minha abundância.
Esqueci de falar sobre os do ciúme e da inveja... meu deus, eu pareço carregar o inferno dentro de mim...

Nenhum comentário:

Postar um comentário